Quando me fazem aqueles interessantíssimos inquéritos de verão, onde se parte do princípio que alguém está interessado em saber os meus gostos culinários, os livros que estou a ler ou se preferia ir jantar com a Selma Hayek ou o António José Seguro, ás vezes vem uma pergunta assim mais a atirar para o sofisticado. No último que respondi perguntavam-me se eu era conservador.
Confesso que perco tanto tempo a pensar se sou conservador ou liberal como o que gasto a reflectir se sou de esquerda ou de direita. Como bom preguiçoso deixo esse trabalho a quem me ouve ou lê e tem a pachorra de pôr as minhas opiniões num qualquer aparelho que depois informa de que cor são as minhas ideias.
Bom, desta vez perdi uns minutos a pensar e, pronto, não há nada a fazer: sou conservador.
Podia dizer que cheguei a esta conclusão que deixava até agora, com certeza, milhões de pessoas inquietas, mergulhadas na dúvida sobre a minha personalidade, através duma reflexão profunda sobre o mundo e os meus valores. Pensamentos do tipo “para as coisas terem sido duma determinada maneira durante tanto tempo existiriam com certeza boas razões para assim serem”, muita leitura de Burke e outros pensadores que tais. Mas não, o que me iluminou foi a minha relação com os chinelos, agora conhecidos como hawaianas (provavelmente o nome mais idiota que se podia dar aos chinelos de meter o dedo, apesar de eu ter de reconhecer que qualquer termo com “meter o dedo” não será propriamente comercial).
O conservador é o que começa a andar de chinelos quando a moda já são os paez. Para quem não saiba os paez são uns sapatitos de pano que agora andam nos pés dos que dantes andavam de chinelos, os rapazes que estão sempre na moda.
Andei anos a fio a recusar-me a calçar chinelos utilizando argumentos duma racionalidade imbatível tipo “tenho uns pés feios”, até ao também muito defensável “essas coisas horríveis que têm banda sonora e tudo” (o chlep, chlep ainda me incomoda, admito). Quando adiro e realizo a vantagem dos ditos, pimba, saem de moda. É que nem vale a pena explicar o disparate que é no pico de Agosto um cidadão andar de pés entrapados, nem explicar o cheiro que aquelas coisas devem produzir depois duma caminhada de cinco minutos.
Isto está-me sempre a acontecer. Eu sou o tipo que delira com uma música quando já ninguém a ouve, o que fala dum filme que já toda a gente foi ver há meses, que aconselha livros que já vão na centésima edição.
Se calhar havia melhores termos para definir esta minha característica, mas, que diabo, conservador dá um certo panache e está sempre na moda.
crónica publicada na revista Life de Novembro