Foram quatro anos e meio, talvez o blog onde escrevi que mais durou. Hoje, no meu último post neste União de Facto, que começou a dois e terminou a quatro, quero agradecer aos milhares que aqui passaram, criticaram, gostaram e, quem sabe, reproduziram noutros sítios. Há alguns anos que não faço ideia do que se passa na blogosfera e é também esse desinteresse que levou ao fim deste blog. Ficam, mais uma vez, as amizades. Como dizia o filósofo, vou andar por aí.
Ser o terceiro maior exportador mundial, o terceiro maior vendedor de armamento, ter uma relação autónoma forte com a Rússia e a China e sobretudo ter renacionalizado a sua política externa dão-lhe a confiança necessária no meio da crise europeia. Foi o "BRIC europeu" quando se absteve na intervenção na Líbia ao lado de Nova Deli, Brasília, Pequim e Moscovo; não chorou pelo Mali, está cansada do Afeganistão e quer distância de Damasco. Merkel está confortável com isto, porque ser autónoma na Europa é pouco para ela. Resta saber se esta estratégia é sustentável sem a diluição total do já frágil poder da UE.
Hoje no Diário de Notícias
Porque é que houve sintonia entre um republicano (Bush) e um trabalhista (Blair) e uma aparente distância entre um democrata (Obama) e um conservador (Cameron)? Desde logo porque os últimos têm na experiência do Iraque um reforço no pragmatismo que faltava aos outros dois. Diferente é também o momento internacional que se vivia em 2002/2003: a superpotência agredida em casa, a resposta musculada no Afeganistão, a agenda idealista e voluntarista que aliava uso da força à "expansão da democracia".
Sábado no Diário de Notícias
Mas se a intervenção punitiva não resolve a guerra civil, o que resolve, afinal? Só vejo uma resposta: pôr termo ao insustentável peso na consciência dos interessados por terem deixado chegar a Síria a este estado.
Hoje no Diário de Notícias
Há coisa de mês e meio tive uma das conversas mais memoráveis da minha vida com um jovem de 94 anos chamado Timuel Black. No museu DuSable, zona sul de Chicago, Black contou-me como foi o dia que amanhã faz 50 anos. Nascido na racista Alabama, neto de escravos, filho da primeira grande migração sulista para Chicago, combatente na Normandiae um dos primeiros a ver Buchenwald, Tim Black tornou-se no homem forte de Martin Luther King em Chicago. Liderou duas mil pessoas até Washington e abraçou para sempre o seu eterno discurso. Nessa manhã, disse-me: "Enquanto for vivo, não vou parar de lutar."
Hoje no Diário de Notícias
A libertação de Mubarak é o prego que faltava no caixão de Tahrir. A transferência de Tora para um hospital militar, o adiamento da sentença e o timing da decisão são muito mais que simbólicos: pintam a correlação de forças de um Egito que viveu dois anos e meio embriagado com uma revolução que nunca existiu.
Hoje no Diário de Notícias
Merkel, ao contrário do que se diz, é mais herdeira de tudo isto, não tanto o seu motor. Herdeira da vitalidade de uma grande Alemanha - demasiado grande e forte para a Europa, como escreveu A. J. P. Taylor -, da condução reunificadora de Kohl, mas também da sua decadência e da crise da CDU no início do milénio, e sobretudo das reformas de Schröder, que deram a robustez necessária para a Alemanha suportar a crise financeira desde 2008. A verdade é que foi um governo de centro-esquerda a fazer as reformas sociais e laborais mais duras. Com a devida destrinça, Schröder foi para Merkel o que Thatcher foi para Blair.
Hoje no Diário de Notícias
Acontece que a estratégia da força bruta tem um risco enorme e incalculável. Por estar entre conflitos mais ou menos evidentes (Líbia, Síria, Iémen, Iraque) e perante uma Irmandade transnacional, nada impede que às suas facções políticas se juntem tribos jihadistas que olhem para o Cairo (mas sobretudo para o Sinai) como mais uma batalha sagrada. Não há muito tempo, entrevistado num café do Cairo, Mohammed al-Zawahiri, irmão do líder da Al-Qaeda e chefe do Movimento da Jihad Salafista no Egito, dizia que não desencorajava ninguém a combater na Síria, mas que os jovens tinham uma jihad egípcia por fazer.
Hoje no Diário de Notícias
"A Tunísia não é o Egito", disse o inefável ministro dos Estrangeiros alemão, Westervelle, ao visitar Tunes. Já estamos habituados à cadeia de pensamento para afastar os maus espíritos. Acontece que muitas vezes são mesmo os maus espíritos que se encontram e Westervelle, sobre isso, não tem rigorosamente nenhum poder para inverter a situação. Não tem Westervelle, a Sra. Ashton ou John Kerry, que numa habilidade muito própria resolveu há dias saudar de viva voz a "restituição democrática pelos militares egípcios".
Hoje no Diário de Notícias
A questão é se os EUA saem prejudicados com o afastamento, quando precisam da ajuda russa no Afeganistão, com o Irão ou numa inversão do caos na Síria. O asilo a Snowden é o menor destes problemas e, nesse sentido, apenas confirmou uma relação em declínio, não a alterou. O Paquistão é mais importante na retirada americana do Afeganistão e Moscovo, na verdade, também reza para que o caos não regresse às suas fronteiras, o que pode ser agravado pela espiral síria. Não será o cancelamento de um encontro a diluir tudo isso. Prova, apenas, que nada mais sobra entre os dois do que um distanciado interesse pragmático e casuístico.
Hoje no Diário de Notícias
A guerra síria é o teatro por excelência do sectarismo étnico-religioso no Médio Oriente: o vizinho Iraque tem sido a sua extensão perfeita. Terceira, o governo xiita iraquiano de Maliki tem promovido a humilhação sunita. Perseguições políticas e legislação sectária são práticas correntes. A perceção da influência do Irão sobre Maliki dá o toque que faltava à reação zarqawista: uma hegemonia xiita é incompatível com o velho sonho de Al-Zarqawi, a criação da "Grande Síria", um vasto e histórico território "limpo" que agrupa Síria, Líbano, Iraque, Jordânia e Israel. O Iraque vai alimentando esse sonho.
Hoje no Diário de Notícias
Política externa não se define só pelo que dizem os diplomatas e fazem os militares, mas pelo que um país está disposto a representar. Em vez de se entreter com danças de cadeiras ou definir-se pela presença em eventos e lugares de topo, Lisboa precisa de aliar criatividade com visão estratégica. Há anos que não se ouve um grande discurso sobre Portugal no mundo vindo das Necessidades e se há momento em que precisamos de nos reencontrar é este.
Hoje no Diário de Notícias
Há, nos últimos meses, uma dinâmica a acompanhar. A Al-Qaeda concentrou ações na península arábica e no Norte de África, atacando instalações energéticas que são o sustento de Iémen, Líbia e Argélia. Está ativa na guerrilha síria e no Sinai. Libertou mil presos no último mês no Iraque, Líbia e Paquistão e inspira células e "lobos solitários". É uma chaga que vai e vem. Não será por isso extinguível. Apenas anulável e por tempo indeterminado.
Hoje no Diário de Notícias
Uma das minhas regras de análise é desconfiar de raciocínios deterministas. Um deles, muito em voga nos últimos anos, traçou uma linha recta entre o crescimento económico chinês e uma meta geopolítica: "Em dois mil e troca o passo o PIB da China ultrapassará o dos EUA", logo "o mundo será chinês", vergado ao seu "capitalismo de estado". E concluíam, sem reservas: os EUA e a Europa já eram, longa vida para Pequim. Ora, nem os EUA e a Europa implodiram, nem a economia chinesa é foguete imparável. Se dado interessante estes anos mostraram é o crescente impacto das dinâmicas internas entre estes três colossos.
Hoje no Diário de Notícias
Será que é desta que israelitas e palestinianos acordam um estatuto final e duradouro que feche a definição de fronteiras, colonatos, dos 5 milhões de refugiados palestinianos e do estatuto de Jerusalém? Quem disser que sim, mente.
Hoje no Diário de Notícias
São perto de 10% desse contingente estrangeiro e vêm sobretudo de Reino Unido, Holanda, Bélgica, Dinamarca, França e Alemanha. Há dias, Manuel Valls, ministro francês do Interior, confirmou ao site Al Arabyia que 120 franceses estavam neste momento a combater na Síria e que receava o seu regresso à Europa. Já o Guardian, citando fontes do ministério do Interior alemão, confirmava a ida de 60 alemães para o Egito depois de receberem treino na Somália.
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Envolta em desorganização, irregularidades e falta de opções, estas eleições têm tudo para não mudar nada. Mugabe vence o exterior por exaustão (que espera pela sua morte para voltar a interessar-se pelo país), mas derrota o seu povo por ilusão. Este Zimbabwe é hoje um peso morto numa África ascendente.
Hoje no Diário de Notícias
De certa maneira, é o replicar do que aconteceu na Argélia em 1992 e que deu início a uma longa guerra civil. Resta saber se o mesmo assolará o Egito. A terceira é a tensão que se vive nas sociedades árabes e muçulmanas entre o radicalismo político e a reação moderada ou secular. A haver o tal choque civilizacional ele está a dar-se dentro do "mundo árabe".
Hoje no Diário de Notícias
Há razões conhecidas para que tal aconteça. Crescente concentração populacional arrastando uma imensa oferta de serviços (financeiros, educação ou saúde), empresas, grandes eventos, mercado habitacional, grandes redes de transporte mas também importantes hubs aeroportuárias que servem tanto o resto do país como de ponte para outros continentes. Mas há um argumento ainda por explorar: será que a erosão, em muitos casos, da centralidade política do Estado-nação está a abrir espaço aos global mayors como principais atores das relações internacionais do futuro? Também por isto se vê como toda a política internacional é cada vez mais local.
Hoje no Diário de Notícias
Por exemplo, a indústria de defesa tem beneficiado bastante com esta estratégia. A última feira do sector para o mercado da América latina, realizada no Rio de Janeiro em abril, teve 120 delegações estrangeiras e mais de 30 mil visitantes. A mesma, em 1997, teve seis delegações e cinco mil interessados. Empresas como a Embraer, a Condor ou a Avibrás têm aproveitado o crescimento do mercado interno mas olhado com perspicácia para o exterior. África, sobretudo a que olha para o Atlântico sul, é hoje o mercado mais apetecível nas relações militares brasileiras. Angola e Namíbia que o digam. É precisamente a formação, monitorização e padronização no sector da segurança que mina a estabilidade da maioria da comunidade lusófona. Exactamente o setor que a CPLP menos valoriza e um dos que Portugal tem mais experiência.
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Nos últimos vinte anos, o trânsito de petróleo feito pelo estreito de Malaca passou de 20% para 33% e, com as tensões soberanistas a aumentar sobre ilhas e zonas económicas, é caso para dizer que está gerado o timing e o sítio mais atrativo para instalar o mercado de defesa nos próximos anos. Quem confirma isto? Precisamente os três atores em que Malaca assenta. Singapura acaba de comprar uma imponente frota de submarinos à Suécia, a Malásia à França e a Indonésia à Coreia do Sul. Todos se preparam para mais concorrência e poder dos grandes, sobretudo da China. Os europeus podem não investir nas suas capacidades, pagando um preço mais caro no futuro pela perda de influência na competição oceânica em curso, mas sabem bem quem quer comprar. Clientes não faltam.
Hoje no Diário de Notícias
Curioso foi o facto de, imediatamente após Morsi ter sido deposto pelos militares, a Arábia Saudita, o Koweit e os Emirados Árabes Unidos terem disponibilizado 12 mil milhões de dólares ao "novo" regime, oito vezes mais do que anualmente os EUA dão ao Egito em ajuda militar.
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O PSOE, que não entusiasma uma alma descontente nem aproveita a queda de 20% do PP nas sondagens, partiu para a rutura e Rajoy está hoje a assar em lume brando. Sabemos bem que o governo só cairá se o PP se partir em cacos, mas o dilema é tão real como imprevisível: limpar o sistema da corrupção fazendo cair o primeiro-ministro espanhol neste momento sensível é, em tese, aceitável dado o melindre do escândalo, mas tem efeito prático que merecia um estudo prévio.
Hoje no Diário de Notícias
É mais um exemplo do efeito político que a frágil economia europeia carrega: só a necessidade de levar avante o acordo de livre comércio com os EUA impediu uma posição mais forte perante o vergonhoso processo de espionagem posto em prática por Washington sobre a UE. Se o acordo pode representar a tábua de salvação das economias europeias, a condenação permanece: não é admissível que, entre aliados, se recorra a tais métodos. A coisa tinha tudo para começar mal, mas a negociação lançou-se no dia 8, em Washington. Vale a pena perceber o que está em causa neste incompreensível, porque tardio, acordo.
Hoje no Diário de Notícias
Mas o meu ponto não é definir a mole com requintes de perfeição: é apenas reforçar a encruzilhada política e social em que estamos metidos. Não que o protesto e a rua sejam desprezíveis, nada disso. Mas porque a falta de representatividade sentida tem um efeito perverso nas democracias instaladas. Partidos cristalizados, políticos malabaristas, decisores medíocres e corredores obscuros são a receita para o descalabro. Quem olhar para as marchas por esse mundo fora com desprezo de gabinete luxuoso tem, mais cedo ou mais tarde, os dias contados.
Hoje no Diário de Notícias
A política feita pelos militares é exigida no momento em que os seus privilégios estão em risco. Com meio milhão de elementos no ativo e um variado rol de interesses e benesses estatais (finanças, economia, habitação, saúde, hotelaria, turismo, entre outros), não é o combate ideológico que os move, é a manutenção do seu statu quo. A concentração de poder, erradamente executada por Morsi e seu partido, apenas instigou o medo entre militares. Se juntarmos a isto o confronto aberto entre Morsi e o Tribunal Constitucional, facilmente percebemos a nomeação de um seu juiz para a chefia interina do Estado. Os militares juntam assim o útil ao agradável: a indignação de Tahrir com a solidez argumentativa da cúpula do Estado de direito.
Hoje no Diário de Notícias
Chamam-lhe heartland, o coração da América. Aqui, no Dacota do Sul, ninguém perde um segundo com Obama, o Congresso, a Síria ou a crise da Zona Euro. O território é tão extenso que se consome a si mesmo: toda a política é local, toda a história é estadual, toda a segurança é individual. Este bastião republicano, com culto por armas que nem permite discussão e devoção repartida entre o rodeo e o todo-poderoso, podia ser replicado culturalmente a uma extensa zona central norte-americana, dando conta ao mundo de que os EUA não se definem pelas progressistas regiões costeiras. A polarização política que aqui se vive também é refletida na heterogeneidade geográfica, na multiplicidade cultural e na diversidade social. Haverá, então, uma só cultura americana? Não.
Hoje no Diário de Notícias
Só passou um ano, mas já há recolha de assinaturas a exigir novas presidenciais. A verdade é que Morsi tem sido incapaz de dar corpo a duas orientações fundamentais para este Egito: como polo de inclusão política, capaz de travar a contestação à hegemonia da Irmandade Muçulmana (IM); como líder de um processo de recuperação económica que limite o risco de nova revolta social. Mas o que marca mesmo este ano é a disputa entre políticos e juízes, autêntica fratura de regime que levanta o véu da tensão que perdura entre o mubarakismo e a ascensão da IM. A vitória das suas gentes nas legislativas, nas presidenciais e a hegemonia que detêm no órgão constituinte teve o condão de encontrar no poder judicial o grande contraponto no sistema, na ausência de uma oposição parlamentar e social forte e organizada.
Hoje no Diário de Notícias
É tudo uma questão de perspetiva. Estar no Alasca e olhar para o mundo ajuda-nos a fugir do eurocentrismo analítico. No maior estado dos EUA as regiões nativas têm um sistema de empresas públicas em que os cidadãos são automaticamente seus acionistas, recebendo os dividendos anuais dos proveitos da exploração dos recursos naturais (petróleo, gás, peixe, cobre, etc). Caso uma dessas empresas não tenha recursos para distribuir, as que se dedicam à extração do petróleo passam-lhe um cheque em forma de solidariedade corporativa. No Alasca não há debate sobre impostos porque simplesmente eles não existem. Todos recebem um cheque anual em função dos resultados do fundo petrolífero local. Mesmo assim, permanece uma tensão tremenda com Washington, visto aqui como "colonizador" e "usurpador" e cuja distância todos saúdam efusivamente.
Sábado no Diário de Notícias
O grande problema de Obama é nunca ter conseguido articular uma grande estratégia de política externa, nem ousado qualquer uma mais regionalizada e com especial incidência no grande Médio Oriente. A sua orientação externa é meramente casuística, reativa, fruto das lutas por influência entre o Departamento de Estado, o Pentágono e o senior staff da Casa Branca. Por isso, a "solução americana" para a Síria, seja ela tardia ou prudente, não passa de uma decisão avulsa, sem ter por trás uma ideia concreta para liderar uma iniciativa na região que lide com o extremismo, a democracia e o crescimento económico. Obama é demasiado refém da ditadura do simbólico.
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