As crónicas sobre memórias são sempre sobre solidão; um envio de um SOS ao mundo (obrigadinho senhor Sting); uma conversa entre velhos amigos que a vida separou; entre amigos que o seriam se o espaço ou as circunstâncias os tivesse juntado.
Dizemos frases, contamos episódios, descrevemos experiências, na esperança, consciente ou inconsciente, de sentir um suspiro nostálgico do nosso ouvinte, um sussurro de “eh pá, pois foi”, uma palmada nas costas de “não me digas que também lá estiveste”, um abraço silencioso sentido e lacrimejante.
Não sei se ao remexermos nas nossas memórias buscamos algo que nos aproxime dos outros ou se andamos à procura de nós próprios. Sentimo-nos simplesmente perdidos ou muito sós.
Fifticomanóin, fifticomafunft, numa mensagem via computador, transforma-se numa pontezinha para uma memória comum. Patinagem artística. Manhãs, tardes e noites passadas a ver uns tipos e tipas vestidos de fatos de lantejoulas colados ao corpo a deslizar no gelo. Não me lembro dum único nome dos artistas, da designação de um passo, de uma dança gloriosa ou fracassada.
Vejo, vagamente, na minha memória, quedas e saltos; uns miúdos arquejantes e ansiosos sentados, acompanhados pelos, imagino, seus treinadores esperando as sentenças dos juízes da competição.
Fifticomanóin, fifticomafunft, isso ouço, ainda hoje, claramente na minha cabeça. Vinte ou trinta anos depois, o ritmo sincopado das notas técnicas e artísticas leva-me para outro tempo. Só meu, julgava eu.
A passagem do tempo foi-me convencendo que as memórias eram só minhas ou que só eu era o nobre guardião dum património que os outros tinham deitado fora.
Os biliões de zeros e uns, necessários àquela transmissão cibernética, transformaram-se num ténue laço que durante alguns minutos nos fazem sentir parte de um passado comum. De um mundo, se calhar, melhor que era o nosso, quando as coisas eram mais simples, a implicação do que dizíamos ou defendíamos só a nós diziam respeito, quando nem percepcionávamos um mundo longe das bandas que idolatrávamos, das roupas que nos definiam, dos valores absolutos que não discutíamos mas utilizávamos na definitiva luta contra um inimigo real ou imaginário.
Aquelas palavras foram a prova de que há momentos que podem estar perdidos no tempo mas não estão perdidos na nossa memória e que é esta, no fundo, que nos salva da solidão e do desencanto.
Fifticomanóin, fifticomafunft.