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Lisboa, 15 mar (Lusa) - Durante dois anos, o investigador Bernardo Pires de Lima analisou os factos relacionados com a Cimeira das Lajes, reunião que ditou em 2003 o início da guerra do Iraque, e foi ao encontro das principais figuras nacionais da época.
O resultado final foi o livro "A Cimeira das Lajes, Portugal, Espanha e a Guerra do Iraque", que em 200 páginas tenta dar a conhecer os "jogos de bastidores" da reunião e clarificar a decisão portuguesa de organizar o encontro na base açoriana e apoiar a intervenção militar no território iraquiano.
"O principal objetivo foi apresentar o processo de decisão português o mais próximo da realidade", afirmou à Lusa o investigador do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI) e da Universidade Johns Hopkins (Washington).
Os primeiros passos da obra, lançada por ocasião do 10.º aniversário da cimeira, ocorreram em 2010, com um trabalho no IPRI. "Depois resolvi desenvolvê-lo, incluindo entrevistas e outras fontes. Foram dois anos de trabalho no meio de uma tese de doutoramento", referiu.
O trabalho de campo envolveu entrevistas a algumas das principais figuras nacionais da época, como o ex-Presidente da República Jorge Sampaio, o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros António Martins da Cruz e o antigo líder do Partido Socialista (na altura na oposição) Eduardo Ferro Rodrigues.
O comissário europeu com o pelouro do terrorismo, António Vitorino, e David Dinis, na altura assessor do primeiro-ministro Durão Barroso, colaboraram igualmente com o investigador, que também ouviu "diplomatas portugueses e norte-americanos" e "pessoas que trabalhavam na época nos serviços de informações portugueses".
Passados 10 anos da cimeira que reuniu nos Açores, a 16 de março de 2003, os então governantes dos Estados Unidos (George W. Bush), Reino Unido (Tony Blair), Espanha (José Maria Aznar) e de Portugal (Durão Barroso), Bernardo Pires de Lima chegou a várias conclusões.
"A decisão de fundo de invadir o Iraque e mudar o regime esteve concentrada em Washington e obedeceu a um trajeto ideológico que já vinha da administração Clinton [Bill], acelerada com a emergência da agenda neoconservadora e pelo efeito alterador que o 11 de setembro teve na administração Bush", indicou o investigador, frisando, no entanto, que "com ou sem cimeira a guerra dar-se-ia, porque Washington já a tinha decidido e calendarizado há muito".
Outra das conclusões é que os aliados europeus dos EUA foram, cada um nos seus termos, procurando gerir politicamente a inevitabilidade da guerra.
"No caso do Governo português, acautelando a relação com Belém, a manutenção do comando da NATO, e o posicionamento híper-atlantista do governo de Aznar. Na avaliação feita por Barroso, Espanha não podia ser o único interlocutor de Washington na Península Ibérica", sublinhou.
E como será recordada na história a Cimeira das Lajes?
"Pelas opiniões públicas, será sempre lembrada como um encontro de guerra mascarado de caráter político. Para os líderes que lá estiveram, será recordada como a última solução política num roteiro de guerra inevitável", frisou Bernardo Pires de Lima.
"Um dos aspetos que tornaram aqueles meses tão polémicos foi precisamente este 'gap' entre cidadãos e lideranças, sobretudo na Europa. (...) O sentimento anti-guerra era generalizado entre as populações", reforçou o investigador.
Apesar desta divisão, a maioria dos líderes que marcou presença na Base das Lajes não foi penalizado nas eleições pós-cimeira.
José Maria Aznar ganhou as eleições espanholas regionais em maio de 2003, Bush foi reeleito um ano depois e Blair conquistou a terceira maioria absoluta para os trabalhistas britânicos em maio de 2005.
"Já Barroso perde as europeias de 2004 e segue para a Comissão Europeia", referiu o investigador, afirmando não acreditar que exista um padrão que "valide com rigor o nexo de causalidade entre apoio à guerra e derrota eleitoral", citando o exemplo de Gerhard Schroeder, que mesmo estado contra a guerra, perde para Angela Merkel as legislativas alemãs de 2005.
A "construção do perfil político internacional" do protagonista português, Durão Barroso, também é focada na obra e associada à sua escolha para a Comissão Europeia.
Sobre o período pós-guerra "absolutamente desastroso", o investigador considera que os planos foram "naifs".
"O Pentágono tomou e mal conta de um quadro onde devia ter prevalecido o Departamento de Estado com o objetivo de construir uma grande coligação diplomática internacional de apoio ao Iraque pós-Saddam [Hussein]", indicou Bernardo Pires de Lima.
No entanto, como parte dos pressupostos da intervenção nunca se verificaram - as ligações do Iraque à Al Qaida e a posse de armas de destruição maciça -, "ninguém quis ficar associado a um cenário em degeneração, e essa coligação não teve sucesso", destacou o investigador.
O livro "A Cimeira das Lajes, Portugal, Espanha e a Guerra do Iraque" é editado pela Tinta da China e será apresentado em Lisboa no próximo dia 21 de março.
Lusa/Fim